Comentários sobre Mateus 5,45

"Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nas­cer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos." (Mt 5,45).

O verso fala sobre a condição para ser, verdadeiramente, filho do Pai que está nos céus. E qual é a condição? Ser bom? Não. Ser justo. Por que? Porque ele "faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos.", ou seja, o Pai dos céus é imparcial. Ele não toma partido, apenas permite que a justiça se cumpra. Para contextualizar, dois versos anteriores Jesus diz assim: "Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem." (Mt 5,43-44).

O texto fala sobre batismo? O texto fala sobre dogmas? O texto fala sobre leis? Mandamentos? Crença? Prosperidade? Não. O texto fala de amor, tolerância, altruísmo, bondade, generosidade, humanidade. Estes são os valores ensinados pelo Cristo em seus evangelhos. Enquanto a lei judaica dizia: "olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe." (Ex 21,24-25). Jesus fala de amor, de perdão.

Eu tenho uma experiência interessante pra compartilhar. Eu morava em uma periferia, tinha o cabelo comprido, fumava, brincos na orelha, na época era baterista de uma bandinha de garagem. Quase todos os dias, quando estava indo para a faculdade passava em frente a uma igreja e, por educação, eu cumprimentava seus membros que aguardavam para o culto e a resposta era o silêncio. Ninguém me respondia!

Assim como muitas pessoas desprovidas do conhecimento necessário para se defender, quando os membros da bandinha de garagem foram confrotados com a interpretação da bíblia comumente utilizada para persuadir e constranger os menos avisados eles acabaram se "convertendo" e a banda acabou. Depois eles começaram a me convidar para visitar sua nova igreja. Eu sempre hesitava, mas no dia do batismo deles, por consideração e curiosidade eu fui. Resumindo, fui seduzido por um tempo por estas igrejas e já com o cabelo cortado, sem brinco e sem cigarro eu passei por aqueles mesmos membros da igreja para ir, como de costume, para a faculdade e disse: "a paz do Senhor!" Desta vez, prontamente, me responderam: "Agora sim, a paz do Senhor!" Este ainda não foi o ponto final em minha excursão religiosa, mas influenciou consideravelmente para minha decisão de sair e de me afastar deste tipo de igreja. Nunca me esqueci da hipocrisia, da ignorância e da arrogância daquelas pessoas. Não sou santo e nem tenho a pretensão de ser, mas sou verdadeiro em minhas interações, seja com quem for.

Hoje essas mesmas pessoas, que se julgam muito santas, também são as mesmas que estão a aprovar guerras, golpes, genocídios, e vivem a destilar ódio com ares santo. Ódio santo? Será que existe tal coisa? Por questões religiosas, por questões fundamentalistas e radicais. Bem está escrito na carta de São Tiago: "A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo." (Tg.1,27). Toda religião que possui um livro, lei, código, ritual, ou prática, que reja e limite a vida das pessoas sob a prerrogativa de fundamentar sua fé. É uma religião fundamentalista. Um perigo para a democracia! Do fundamentalismo surge o sectarismo, a raça pura! Este é o perigo! A raça pura, a nação santa são frutos da mesma ideologia. A ideologia que faz distinção entre pessoas. O pensamento que torna um superior, torna o outro inferior. Isto precisa ser combatido. O que nos separa e nos divide enquanto seres, certamente nos enfraquece na qualidade de humanos. Talvez por medo do fundamentalismo religioso antigos impérios como o babilônico, egípcio, grego e romano eram politeístas, pois assim era mais provável de existir tolerância, respeito pela diversidade e direito de escolha pela divindade que melhor lhe representa. Isto é democrático! Ter o direito de escolher a sua própria fé, ter direito de escolher a sua religião. A forma como você individualmente se conecta com o sagrado, com o divino em você. "Nosce te ipsum". Só é filho de Deus, do deus que é Pai aquele que respeita a diversidade de ser apenas mais um filho.

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